segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Á ESPERA DE GODOT !


Pela enésima vez, ela aperaltou-se, saiu de casa e dirigiu-se ao café como sempre fez.

Pela enésima primeira vez, ela entrou no café, saudando as mesmas pessoas do mesmo modo.

Pela enésima segunda vez, ela dirigiu-se à mesma mesa e sentou-se no mesmo lugar.
Pela enésima terceira vez, ela fez o mesmo pedido ao mesmo empregado no mesmo tom de voz.

Pela enésima quarta vez, ela derramou o açúcar na chávena do mesmo jeito de sempre.

Pela enésima quinta vez, ela sorveu o café, com o mesmo prazer de sempre.

Pela enésima sexta vez, ela deixou na chávena, a mesma marca de baton.
Pela enésima sétima vez, ela acendeu um cigarro da marca habitual com o mesmo Zippo.

Pela enésima oitava vez, ela travou, inalou e expulsou o fumo da mesma maneira de sempre.

Pela enésima nona vez, ela olhou em volta como sempre o havia feito e viu as mesmas caras.

Pela enésima décima vez, ela constatou que nada ia acontecer... Como Sempre...

quarta-feira, 22 de julho de 2009

O FÉTIDO PORTÃO DA EXISTÊNCIA


O homem que cheira mal dos olhos espreguiça,
abre os braços em abandono e sente a proximidade das paredes.
Os muros estreitam-se
O tempo urge
Urgente se torna a perpetuação da sua raça,
a raça daqueles que perseguem a verdade,
a verdade da última finalidade,
a finalidade de passarmos tantas humilhações.

O homem que cheira mal dos olhos já baixou as calças,
Foi comido vezes sem conta,
sem nunca ver os rostos famintos dos seus algozes.
A maior humilhação é possuir
sem nenhum prazer sentir,
e essa será a maior derrota dos poderosos.

O homem que cheira mal dos olhos quase vazou os seus olhos,
tentando esquecer a sua vergonha,
por isso é que caminha incessantemente
e escolhe os trilhos mais acidentados.
Os seus pés semeiam carne e sangue,
marcando o mapa da sua ancestral passagem
pelas rotas dos malditos.

Despojado de tudo e de todos,
mais livre do que nunca,
o homem que cheira mal dos olhos, nunca deixou de possuir,
em toda a sua glória,
a chave ferrugenta que abre o fétido portão da existência.

O homem que cheira mal dos olhos há muito que perdoou os infelizes que se atravessaram no seu caminho...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

ESTAMOS TODOS ATÉ AO PESCOÇO !

Estamos todos até ao pescoço
atolados num imenso tribunal.
Milhares de mentes perversas
controlam o nosso destino.

Controlam o nosso destino
Atolados num imenso tribunal,
estamos todos até ao pescoço,
Milhares de mentes perversas.

Milhares de mentes perversas
atolados num imenso tribunal,
controlam o nosso destino.
Estamos todos até ao pescoço

sábado, 4 de abril de 2009

RESGATAR UM MUNDO EXTINTO !



Volto já,
nem que seja para me despedir,
finadas que estão, as possibilidades de uma identificação Com este tempo.
Este tempo. Este espaço. Nenhum satisfez o homem que cheira mal dos olhos.
Nenhum deles facilitou, um esboço sequer, o seu propósito supremo:
- Resgatar um mundo extinto,
cujos princípios alimentam-se obcessivamente da dúvida.
- Desconfiar da bonança trazida pela paz,
esse lapso de tempo obsceno e entediante.
- Despoletar a revolução em todos os actos insignificantes,
mesmo que conduzam aos escombros da civilização.
Impssível é saltar no tempo,
Possivel se torna, esmifrar o presente como se fosse o último.
Morre-se todos os dias.

terça-feira, 24 de março de 2009

O HOMEM QUE CHEIRA MAL DOS OLHOS ESTÁ A MORRER, MAS CONVOCA OS SEUS PARES !!


Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(1972)- Marina Colasanti

quinta-feira, 19 de março de 2009

O HOMEM QUE CHEIRA MAL DOS OLHOS MORREU MAIS UMA VEZ !!




Morrer. Passar-se. Morto e enterrado. Comer as alfaces pela raiz. Ir para o céu. Ir para os anjinhos . Sete palmos abaixo da terra. Marar . Bater as botas. Esticar o pernil. Dar o peido mestre. Falecer. Passar para o outro lado. Dar a alma ao criador. Deixar-nos. Apagar-se. Fenecer. Ir para o inferno . Bater às portas do paraíso. Ir para o maneta. Expirar. Dar o berro. Dar de comer às minhocas. Quinar . Finar. Esvaecer. Esmaecer . Perecer. Ir desta para melhor

NA MORTE
O seu coração parará, perderá o pulso e você deixará de respirar. Ficará pálido, todos os seus músculos se relaxarão e o seu corpo começará a perder calor à razão de O,7°C por hora.

Após MEIA HORA
A sua pele vai perdendo cor, à medida que o sangue desce sob o peso da gravidade. Se estiver deitado de costas, o sangue afluirá à zona das costas e à parte inferior dos seus membros. Qualquer pressão sobre a pele irá torná-la branca, porque o sangue se dispersará. As suas extremidades tomam-se azuis. Os olhos começam a afundar-se.

Após QUATRO HORAS
Serão agora evidentes os primeiros sinais do rigor mortis. Antes do resto do corpo, as pálpebras, o rosto, o maxilar inferior e o pescoço tomar-se-ão rígidos. Um esforço violento ou uma electrocução pouco antes da ocorrência da morte acelerarão o rigor mortis. Este será retardado se a causa da morte for asfixia ou envenenamento por monóxido de carbono. Depois de se ter espalhado a todo o corpo, começará a desaparecer pela mesma ordem com que se instalou. Em trinta horas, todos os seus músculos ficarão relaxados.

Após VINTE E QUATRO HORAS
O seu corpo arrefeceu até atingir a temperatura ambiente. A menos que seja conservado no frio, a sua pele começará a tomar tons vermelho acastanhado. Em cerca de uma semana, esta descoloração alastrará ao peito, às coxas e, gradualmente, à totalidade do corpo. As suas feições poderão estar irreconhecíveis e você exalará um cheiro intenso a carne apodrecida. Temperaturas quentes ou uma morte súbita acelerarão o processo de decomposição. Se for conservado a uma temperatura amena e num ambiente seco, o seu corpo poderá mumificar, o que dará à pele uma aparência seca e encerada.

Após TRÊS DIAS
No interior do seu corpo, começará a formar-se gás, que poderá provocar o aparecimento de bolhas de líquido avermelhado com cerca de oito centímetros de diâmetro e o seu escorrimento através dos seus orifícios. Tudo isto confirma a história do corpo da rainha Isabel I: inchou tanto que rebentou o caixão.

Após TRÊS SEMANAS
A sua pele, cabelo e unhas estarão agora soltos, tanto que seria fácil arrancá-los. Mais cedo ou mais tarde, a sua pele rebentará expondo os músculos e a gordura. É nesta fase que os insectos e os vermes começarão a comer a sua carne. A temperatura ambiente determina a velocidade a que você ficará reduzido a um esqueleto.

Num ambiente quente e fechado, demoraria um mês até se tornar um esqueleto; ao frio e no exterior, levará mais tempo.

Teoricamente, o seu esqueleto poderá sobreviver eternamente.

Adaptado de um artigo da Esquire inglesa Junho 1991

In K nº 16, A carne: diário da decomposição, Janeiro de 1992

segunda-feira, 2 de março de 2009

VEXAME !




Humilhante condição a nossa, ser humano, mortal.
A finitude que nos magoa, desde o momento da concepção.
Somos o resultado de uma violação, brutal e voluntária.
Nascemos abruptamente e perdemos o elo mais precioso.
Masturbamo-nos com uma religião e ficamos ainda mais sós.
E depois, o vexame supremo - a morte.
O homem que cheira mal dos olhos. morreu vezes sem conta e não se conforma.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

PISAR O CHÃO QUE O DIABO ARMADILHOU !



Ninguém mais perguntou, nas esquinas do tempo,


onde paira o sacrificado pelo Império,


judeu Jesus, o de Nazaré?


Sonegado e esquecido, estafermo cão com sarna.


O homem que cheira mal dos olhos vai pisando o chão que o diabo armadilhou, em mil minas de tentações.


Com uma perna esmagada, arrastando pela urze, o viajante deixa um rasto de sangue coalhado, que se mistura, em cada passo, com o leite espesso das urtigas pisadas. Outra perna irá nascer...foi sempre assim, carne nova que irrompe em dor, reforçando a sua vontade em nascer e recuperar o vínculo perdido.


Pode o homem que cheira mal dos olhos sobreviver ao momento do nascimento?


quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

PÓLIS DE CÁDMIO SONHADA




Antes que alguma ideia de morte visitasse o viajante que nasceu fora do tempo, um enorme frontespício num livro descosido de tão usado, anunciava a sua gloriosa morte.



Morte morrida virtual.



Delírio deliberado de um iluminista com formação classicista, sonhando com a era dourada de um unicórnio castrado.



Mas a morte estava lá, insinuante, em cada letra magistralmente pintada, púrpura de sangue pisado.



O viajante não se recorda de ter apanhado as suas tripas naquele chão. Conhecia-lhe o pisar, mas não o arrojar.



O viajante sabia apenas que nunca devia ter abortado neste país que não o reconhecia.



O território dos nados-mortos que se vendem por uma ideia de paraíso.



Morrer só e praguejar o último esgar em frente á caverna do cão branco, mas, ainda não se cumpriram as profecias do tal império que, aceitando os ingénuos, repudia os políticos.



A Pólis de cádmio sonhada em dias cinzentos, celebra os seus derradeiros dias de reclusão.